Por Nilson Almir, jornalista.
Sábado, 9 de abril de 2011.
Em meados da década de oitenta, nas redondezas do vale do
rio vermelho, na cidade de Itapirapuã, vivia o conhecido trabalhador “trecheiro”
e bêbado, o Quintino. Tratava-se de um esquelético matuto já na casa dos 50
anos, mas aparentando mais de 60 de tão judiado que era pela pinga e pelo
pesado trabalho braçal a que se submetia para ganhar a vida. Também o
envelheceu precocemente o hábito de tragar seu grosso cigarro de palha e fumo
de corda enrolado a mão, quando soltava fortes baforadas, daquelas de arderem
os olhos de quem estivesse próximo. Mais forte que aquela bomba de fumo do
Quintino, naquela região, só as mascadas de fumo que um vizinho seu usava
fazer, o "seo Trucate", outro caipira que quando ia ao armazém
comprar sandálias havaianas, as chamavam de “chinelos lava-bundas”, pelo fato
de as mesmas jogarem água prá cima nas costas da pessoa ao andar em chão
molhado ou poças d’água. Ao mascar o seu fumo de corda, grosso e forte, aos
nacos jogados na boca, o “seo Trucate” ia cuspindo o excesso daquele sumo preto
fedorento pros lados, deixando a gente a pensar se um dia aquilo que parecia um
forte veneno não o iria matar. Alguns diziam que aquele cuspe de fumo mascado
curava picada de cobra venenosa.
Mas a estória é do Quintino, o bêbado magricela e raquítico,
de estatura mediana e levemente encurvada pela força de sua fraqueza física.
Quintino usava, quando não estava no trabalho nas roçadas de pasto ou limpa de
arroz, a camisa de tecido “volta ao mundo”, muito comum à época, por ser
barata, de um tecido fino, quase transparente, geralmente de mangas compridas,
compradas fiado na loja do Zé Arantes, no centro da cidade. Até hoje não
entendo porque tinham o nome de camisa “volta ao mundo”, já que bem feias e
ruins, não poderiam ser usadas nem para uma volta à região.
Quintino era só. Tinha irmãos, entre eles o Dito, “pé-de-cana”,
pitador e trabalhador braçal na roça também, e a irmã conhecida por "Das Neves". Mas já foi casado, ou pelo menos
morou com dona "Nestina", uma senhora baixinha que o largou logo pela pobreza e “pingaiada”
que acompanhava sempre o Quintino. Então Quintino era só, mas rodeado de
pessoas, uns conhecidos, alguns amigos, outros, colegas de boteco e de pinga.
Certa vez Quintino apareceu com o olho esquerdo inchado,
tudo preto, aquela pelota feia no rosto, que só de ver dava um nó no estômago
da gente. Contou ele que “roçava um pasto que pegou prá fazer, ganhando por
dia, livre da “bóia” e, naquele “pega-pra-capar”, abanando a foice pros lados e
jogando juquira pro ar, sem saber se “pegou ou capou”, deu de testa com uma
moita de tucum. Pensou com seus botões: agora “a bosta talha” e seguiu prá
cima, fazendo jus a sua fama de bom na foice e falando: - “Pouca bosta a gente
caga é na calça mesmo, vamos que vamos que é prá acabar logo!” A primeira
foiçada levou uma ruma de galhos, descobrindo um objeto acinzentado parecendo
uma cabaça seca, e na segunda foiçada metade do objeto também foi aos ares. Era
uma casa de marimbondo tatu, daquele que corre atrás do peão. Disse ele que a
primeira ferrada foi na “tampa do zói”. A foice voou longe, arremessada pelo
seu desespero. A camisa, remendada e de algodão, que usava no trabalho se
estendia na suas costas, dava até prá jogar truco, tamanha era a velocidade da
sua carreira. Conta Quintino que virou um “sendengo”, “esguachando no mundo”
seguindo naquele Deus nos acuda, correndo e dando tapas nas suas duas orelhas,
nas costas e por todo o corpo, pulando tudo quanto foi moita que aparecia pela
frente, gritando feito doido mostrando a sua banguela, numa tentativa alucinada
de espantar os marimbondos que vinham aos feixes. Fala ele que até hoje não
achou a sua foice no meio daquele mato e nem a moringa que carregava e também
foi perdida. De todos os seus pertences perdidos na correria, só encontrou o
saquinho de fumo picado da marca “rei do fumo” e a garrafa de pinga “chora
Rita” que felizmente havia amoitado perto do pau de uma cerca mais distante do
ocorrido. Veio embora pra cidade, deixando o serviço pra terminar quando
sarasse as ferroadas, por isso estava ali no boteco naquele momento”. Essa é a
estória que conto do Quintino que contou toda essa ladainha pra explicar o olho
arroxeado e que todos ali sabiam ser por mais um tombo de bêbado, mas que
fingiam acreditar na sua versão, para dar mais vazão à estória, que era
mentira, mas que estava até divertida de ouvir. (Em homenagem à memória saudosa
de Quintino e “Seo” Trucate).
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